A arte na fé.

Cresci rodeado de música: na família, na igreja, na escola, e hoje, tendo escolhido ser músico a nível profissional, gostava de partilhar neste artigo a forma como a música me acompanhou e me ajudou na fé, aproveitando também para refletir sobre o papel importantíssimo que a música e a arte em geral sempre tiveram no cristianismo e, em particular, na igreja católica.

Como um cristão comum, a minha fé tem vindo a crescer desde o meu batismo. No entanto, e à semelhança de muita gente, não foi um crescimento linear. Tal como muitas crianças e jovens, na infância e adolescência eu ia à missa, à catequese e rezava em família. Porém, reconheço hoje, que pouco compreendia do que estava a fazer, mesmo que gostasse de o fazer e o fizesse de bom grado. Compreendo igualmente que esse comportamento é natural na adolescência. Com efeito, naquela fase da vida, as atividades na escola e em casa com tanto a aprender e tantas coisas a acontecer, preenchendo a semana, juntamente com a minha falta de curiosidade em conhecer a fé cristã de forma mais profunda, esta podia ter-se apagado por não se ter apegado. Decerto não estaria hoje a escrever este texto. Curiosamente, aquilo que alimentou a minha fé e me fez continuar a ir à igreja regularmente foi a música. Não só o simples facto de gostar de ouvir a música em si, transmitindo-me serenidade e permitindo-me momentos de reflexão, como quando ouvia deliciado o grande órgão de tubos da Igreja da Lapa, nas Eucaristias do meio-dia de domingo, mas, principalmente, por gostar de acompanhar a minha mãe a animar na missa da catequese, na Igreja do Santíssimo Sacramento. Quando olho para trás, não sei se a minha fé teria sobrevivido se não tivesse ido tocar e cantar com a minha mãe quase todos os sábados desde o momento que iniciei a catequese. E devo dizer que estou muito grato por isso, principalmente pelas vezes em que não me apetecia. Até hoje, sempre que a minha fé vacilou, a música esteve lá como acendalha a mantê-la acesa, fé essa que me segurou e guiou nos mares agitados.

 Assim, foi em dois momentos recentes: o da entrada na faculdade, na Alemanha que, como esperava foi uma grande mudança, numa altura em que o ambiente, por vezes, nos tenta distrair e desviar daquilo que é bom e elevado para o que é mais superficial e, quando em 2022/23, tive a oportunidade de trabalhar, durante um ano e meio, na Staatsorchester Stuttgart (Orquestra Estatal de Estugarda). Foi uma experiência profissional inolvidável e única, mas que me obrigou a viver apenas entregue a mim próprio, numa grande cidade. Fazia, às vezes, seis horas de viagem, ida e volta, só para ter uma, duas ou três horas de aulas. Trabalhava com colegas muito fora da minha faixa etária e longe de qualquer vida social necessária e salutar a um jovem de dezanove anos. Estes dois momentos foram muito importantes para mim, por terem sido difíceis, e por terem posto em questão a minha pessoa e a minha fé. Nesses momentos procurava nas pequenas coisas, um porto seguro. Em todas as igrejas, na Alemanha, existe um órgão de tubos e era na música e na beleza da arquitetura das catedrais, que buscava a luz que pudesse manter a minha fé acesa, tornando-se mais forte do que alguma vez fora. 

A esse propósito, reflito sobre o papel das artes (música, pintura, arquitetura, etc.) na Igreja. Por vezes, este tema pode tornar-se polémico, visto que a Igreja é criticada pelo mundo não só por causa do dinheiro gasto na construção de grandes catedrais e santuários de valor incalculável, como também pelo facto de gostarmos de ter sempre o melhor e o mais belo para celebrações, e exemplo disso foram os altares da JMJ 2024. Somos também criticados por outras Igrejas por venerarmos objetos e coisas que nos distraem de Jesus. Mas não será a arte obra de Deus? 

O passado da Igreja nem sempre foi exemplar. Na verdade, a sua riqueza é imensa. No entanto, por alguma razão, as pessoas continuam a fazer doações. As visitas à Basílica de S. Pedro são intermináveis, mesmo sabendo que muito do seu património foi pago com indulgências. A construção da Sagrada Família em Barcelona continua mesmo estando a demorar dezenas de anos. E devido ao custo da obra, as pessoas não param de doar de boa vontade. Quando a catedral de Notre-Dame ardeu, o mundo abanou. Um grande símbolo de fé tinha sido destruído. Mas em poucos dias já havia possibilidade para a construir de novo. Certamente, porque a arte sacra perdura ao longo dos séculos e é a nossa marca do divino sobre a Terra. Respeitado pelos crentes e não crentes, não temos como refutar a beleza e a espiritualidade deste valor patrimonial que, no fundo, pertence a todos, embora haja zeladores próprios. E o sentido inexplicável de divindade invade-nos, quando entramos e nos deparamos com essas grandes obras. 

E quanto às possíveis “distrações”, eu acredito que algo que nos aproxime de Deus, de Jesus e da verdade Bíblica só pode ser obra dos mesmos. O que é trabalho do Espirito Santo não pode ser trabalho do mal, tal como jesus disse (Mt, 12, 24-30). E como amante, sinto a obrigação de defender o papel da arte na Igreja, visto que sempre me levou para mais perto de Deus, fortalecendo a minha fé e despertando-me a curiosidade de aprofundar o significado do que é ser cristão.

Quando olho por outra perspetiva, reparo na riqueza musical pela qual o cristianismo é responsável. No Leste da Europa, encontramos os lindos cantos graves e solenes da igreja Ortodoxa que nos transportam aos nossos coros polifónicos e à solenidade das nossas missas cantadas em latim. Por outro lado, encontramos os coros Gospel que despertam energia e alegria, lembrando o entusiasmo das guitarras e percussão e das vozes dos jovens nas missas, após os fins de semana de reflexão do movimento Oásis. A música clássica, que me apaixona, esteve, está e estará sempre conectada à Igreja Católica. Caso contrário, não teríamos a enorme variedade de Missas, Requiens, Paixões, e Oratórias excecionais dos mais famosos e aclamados compositores ao longo da história da música universal, de que ainda hoje admiramos a genialidade.

A vida de Cristo inspirou as mais bonitas obras de arte de todo o mundo, quer seja na música, literatura, pintura, escultura, arquitetura, teatro, cinematografia e muito mais… e como cristão católico, dou graças a Deus por ele ter inspirado tal beleza neste mundo.

Estas são das principais razões por que deixei de ter medo em afirmar a minha fé em Deus e na Igreja.

PS: Deixo como sugestão para ouvirem nesta Quaresma, o que para mim é a mais genial e divina peça em toda a história da música:



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