Vontade de ouvir falar noutra língua e cultura.

Depois de 15 anos ao serviço da minha diocese do Porto, primeiro como Educador no Seminário do Bom Pastor e em seguida como pároco de Arrifana e Romaris (Feira) senti um grande apelo interior de sair para ouvir Deus, falando noutra cultura muito diferente da nossa e partilhando com eles a fé em Jesus Cristo. Sabendo que a Sociedade Missionária Boa Nova estava a iniciar uma missão nova no Japão, fiquei bastante interessado em conhecer essa experiência e o modo de o fazer, pois, sou padre diocesano. Falei com o P. Jerónimo Nunes da Boa Nova, que me disse que era possível e até desejável, porque a Sociedade Missionária permite pelos Estatutos a agregação de padres diocesanos associados, que queiram fazer uma experiência missionária. Bem sabia que não seria nada fácil substituir-me nas paróquias devido à falta de clero, mas feito o acordo tripartido entre D. Armindo Lopes Coelho (bispo do Porto), D. António Couto (na altura, Superior Geral da Boa Nova) e D. Leo Ikenaga Jun (arcebispo de Osaca), lá parti.

Cheguei a Osaca precisamente no dia do falecimento do querido papa S. João Paulo II e fui muito bem acolhido pelo P. Nuno Lima, na Paróquia de Hiraoka, cuja Igreja ia entrar em obras de modo que passados poucos dias vim para a paróquia de Fuse, onde vivi com ele cerca de um ano, enquanto aprendia a língua japonesa numa conceituada escola de Osaca. Aí, apesar das dificuldades da língua, fiz muitas amizades; S. Francisco Xavier, o grande missionário do Japão, dizia que a “língua japonesa foi inventada pelo diabo para confundir os missionários” tal é a sua dificuldade.

No segundo ano de estudos fui viver para a Paróquia da Catedral de Osaca (Tamatsukuri) com sacerdotes japoneses para desenvolver a prática da língua e da eucaristia em língua nipónica. Terminado o curso linguístico de dois anos e nomeado coadjutor das paróquias de Takatsuki com 1 600 católicos e Ibaraki com apenas 700, onde fui muito bem acolhido e desenvolvi trabalho pastoral ao longo de três anos. Estas duas paróquias da zona Norte da diocese de Osaca, muito perto da bela cidade imperial de Quioto, teve, no século XVI, muitos cristãos e recebeu também alguns missionários portugueses. Desde essa altura e depois da cruel perseguição aos cristãos, não mais tinham passado por lá missionários portugueses, pois, o cristianismo tinha sido proibido no Japão e a paróquia de Takatsuki com os seus 1.600 cristãos, tem apenas cerca de 60 anos de refundação.

Inicialmente fiquei perplexo, porque não tinha lá ninguém conhecido do grupo de missionários portugueses ou espanhóis com quem nos reuníamos habitualmente, mas parti mais uma vez confiado na providência de Deus e fui acolhido pelo P. Inoue, que falava inglês, porque tinha estudado na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos e tinha tido como professor o célebre biblista americano, Raymond Brown. A partir daí e apesar da diferença de idades, eu estava na casa dos 40 e o P. Inoue nos 70, estabelecemos uma excelente relação de amizade a nível de trabalho pastoral. Junto da Igreja de Takatsuki funcionava também um Infantário das Irmãs Claretianas, que procuravam, dentro dos possíveis, colaborar no trabalho pastoral. Aliás, foram elas juntamente com os Missionários Claretianos que refundaram essa Igreja.

A realidade é muito diferente da nossa; por exemplo, no Infantário, num universo de mais de 200 crianças, apenas 3 ou 4 eram batizadas, pois, no Japão os cristãos são menos de 1% da população (cerca de 0,33%, o que corresponde a cerca de 500 mil católicos e 500 mil cristãos evangélicos); a cidade de Takatsuki tinha cerca de 400 mil habitantes e apenas 1600 católicos muito solidários, o que muito me alegrava. Desta cidade, era também originário o Samurai, agora, beato Justo Takayama Ukon, cuja memória era muito venerada não só pelos católicos, que acorriam lá em peregrinações, mas também por uma boa parte da população de Takatsuki.

Takatsuki era uma cidade acolhedora, apesar de os cristãos serem uma pequena minoria. Havia lá várias referências cristãs antigas bem como o Infantário novo com 60 anos de existência e muito bem conceituado, na cidade. Tentamos pastoralmente desenvolver juntamente com uma Irmã japonesa um Catecumenado, que deu bons frutos, bem como valorizar a Liturgia em língua japonesa .

Por aqui se vê quão diferente é a cultura nipónica e quão interessante (e difícil ao mesmo tempo) é a missão no Japão. Deveras fascinante, porque nos abre ao mistério insondável da universalidade da Igreja, formada de pessoas de todas as raças, culturas e línguas, que espelha o mistério inefável da criatividade infinita de Deus nosso Pai. Pai de toda a humanidade, que a todos nos quer filhos e irmãos.

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