Inteligência artificial e paz.

Em 8 de dezembro passado, Solenidade da Imaculada Conceição da Santa Maria, o Papa Francisco fez publicar a sua mensagem para o 1º dia do ano de 2024 com este mesmo título: Inteligência artificial e paz.

O Papa alertou, na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2024 para os riscos da utilização da inteligência artificial em contexto militar, apelando à aplicação das tecnologias em áreas que promovam o desenvolvimento humano.

“A possibilidade de efetuar operações militares através de sistemas de controle remoto levou a uma perceção menor da devastação por eles causada e da responsabilidade da sua utilização, contribuindo para uma abordagem ainda mais fria e destacada da imensa tragédia da guerra”, refere o texto da mensagem.

Francisco alerta para as “graves questões éticas relacionadas com o setor dos armamentos”, em particular os sistemas de armas letais autónomas.

“Os sistemas de armas autónomos nunca poderão ser sujeitos moralmente responsáveis: a exclusiva capacidade humana de julgamento moral e de decisão ética é mais do que um conjunto complexo de algoritmos, e tal capacidade não pode ser reduzida à programação duma máquina”, advertiu.

O Papa observa que armas sofisticadas podem cair “em mãos erradas”.

“O mundo não precisa realmente que as novas tecnologias contribuam para o iníquo (e altamente lucrativo) desenvolvimento do mercado e do comércio das armas, promovendo a loucura da guerra”, acrescenta.

Se a inteligência artificial fosse utilizada para promover o desenvolvimento humano integral, poderia introduzir inovações importantes na agricultura, na instrução e na cultura, uma melhoria do nível de vida de inteiras nações e povos, o crescimento da fraternidade humana e da amizade social”.

A mensagem aponta desafios colocados, neste setor, ao desenvolvimento do direito internacional.

“Exorto a Comunidade das Nações a trabalhar unida para adotar um tratado internacional vinculativo, que regule o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial nas suas variadas formas”, escreve o Papa.

O Papa Francisco sustenta que esta reflexão deve ter em consideração “questões mais profundas relativas ao significado da existência humana, à proteção dos direitos humanos fundamentais, à busca da justiça e da paz”.

O texto aponta a um “sentido do limite, no paradigma tecnocrático”, defendendo um “desenvolvimento ético dos algoritmos”.

“A grande quantidade de dados analisados pelas inteligências artificiais não é, por si só, garantia de imparcialidade”, alerta o Santo Padre.

A confidencialidade, a posse dos dados e a propriedade intelectual são outros âmbitos em que as tecnologias em questão comportam graves riscos, aos quais se vêm juntar outras consequências negativas ligadas a um uso indevido, como a discriminação, a interferência nos processos eleitorais”.

O Papa mostra-se crítico de um sistema “tecnocrático”, que alia a economia à tecnologia e privilegia o critério da eficiência, “tendendo a ignorar tudo o que não esteja ligado aos seus interesses imediatos”.

A mensagem aborda as questões levantadas pelas “máquinas que aprendem sozinhas”, que transcendem os âmbitos da tecnologia e da engenharia, colocando-as em ligação com “uma compreensão intimamente ligada ao significado da vida humana”.

O Dia Mundial da Paz foi instituído pelo Papa Paulo VI na sua mensagem de dezembro de 1967 e celebrado pela primeira vez em janeiro de 1968, tendo sido abordado o tema da interminável guerra do Vietname sobre a qual se pedia um urgentíssimo cessar-fogo do conflito cujo início tinha ocorrido em 1955.

Desde essa data, todos os anos, o Papa faz publicar uma mensagem chamando a atenção de toda a humanidade para a urgência da Paz.

“No início do novo ano, a minha oração é que o rápido desenvolvimento de formas de inteligência artificial não aumente as já demasiadas desigualdades e injustiças presentes no mundo, mas contribua para pôr fim às guerras e conflitos e para aliviar muitas formas de sofrimento que afligem a família humana”, conclui Francisco.

Escreve a Comissão Nacional de Justiça e Paz em nota que fez publicar sobre a mensagem do Papa: INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AO SERVIÇO DA FRATERNIDADE E DA PAZ

 A Comissão Nacional Justiça e Paz quer deste modo pôr em relevo a mensagem do Papa Francisco para a celebração do Dia Mundial da Paz de 2024 sobre “Inteligência Artificial e Paz”.

Esta mensagem começa por exaltar os benefícios dos progressos da ciência e da tecnologia, como produtos criativos da inteligência humana, a qual é expressão da dignidade que Deus atribuiu ao ser humano, criado «à sua imagem e semelhança». Esse progresso permitiu, no passado e até hoje, eliminar muitos males que causavam grande sofrimento.

A inovação com que hoje nos deparamos (que se espera contribua para um verdadeiro progresso) é a dos sistemas de inteligência artificial, isto é, os instrumentos que permitem que máquinas reproduzam ou imitem capacidades cognitivas do ser humano. Esta inovação acarretará profundas transformações na organização das nossas sociedades.

Tal como no passado outras inovações tecnológicas permitiram que homens e mulheres se libertassem de penosos esforços físicos que puderam ser substituídos por máquinas, assim poderá suceder agora com atividades de âmbito intelectual, com maximização da sua eficiência.

Mas, por muito aperfeiçoados que sejam os sistemas de inteligência artificial, haverá sempre uma especificidade humana que nenhuma máquina poderá substituir.

Como qualquer instrumento, os sistemas de inteligência artificial podem ser utilizados para o bem e para o mal. Tudo depende da finalidade que lhes é atribuída e dos meios que se aceita possam ser utilizados para alcançar tal finalidade. Quem define essas finalidades e esses meios são as pessoas e as comunidades humanas.

A mensagem alerta para vários perigos de má utilização dos sistemas de inteligência artificial: o controlo absoluto da vida pessoal,  a manipulação oculta de escolhas políticas e comerciais, ou a influência de preconceitos discriminatórios na análise da idoneidade de candidatos a empregos e empréstimos bancários, ou da probabilidade de reincidência na prática de crimes (esquecendo que nenhum comportamento humano é absolutamente previsível e que o futuro de uma pessoa não está necessariamente marcado pelo seu passado). Não pode ser ignorada a grande desigualdade gerada pelas diferenças de acesso a estes sistemas, tal como a probabilidade de desemprego massivo de profissionais qualificados.

Como já o faz a propósito da crise ambiental, o Papa Francisco salienta nesta mensagem a importância do “sentido do limite”, que o paradigma tecnocrático leva a esquecer, como se a técnica tudo pudesse, como se tudo pudesse ser quantificado e calculado, como se a eficiência sobre tudo pudesse prevalecer.

Salienta também esta mensagem o desafio que representa a educação para o uso de formas de inteligência artificial, educação que deve visar sobretudo a promoção do pensamento crítico em relação aos dados que elas possam proporcionar.

No que às questões da guerra e da paz mais diretamente diz respeito, a mensagem alerta para o perigo, que já se nota, de a utilização de “armas letais autónomas” conduzir a uma perceção menor e mais fria da tragédia da guerra, assim como das responsabilidades morais que envolve, as quais nunca recaem sobre máquinas, mas sempre sobre pessoas.

A Comissão Nacional Justiça e Paz quer aderir ao apelo que o Papa Francisco dirige a toda a humanidade na conclusão desta mensagem: «que esta reflexão encoraje a fazer com que os progressos no desenvolvimento de formas de inteligência artificial sirvam, em última análise, a causa da fraternidade e da paz».   

Em 1 de janeiro de 2024, em plena celebração do 57º Dia Mundial da Paz, na sua alocução ao final da manhã, no Angelus, o Papa Francisco disse: “Por favor, não esqueçamos a Ucrânia, a Palestina e Israel, que estão em guerra. Rezemos para que prevaleça a paz, todos juntos”, concluindo: "Mãe de Deus e nossa, vimos até Vós, buscamos refúgio no vosso Coração Imaculado. Imploramos misericórdia, Mãe da misericórdia; paz, Rainha da paz! Movei o íntimo de quem está preso no ódio, convertei quem alimenta e excita conflitos. Enxugai as lágrimas das crianças – nesta hora, choram tanto! –, assisti os idosos que estão sozinhos, amparai os feridos e os doentes, protegei quem teve de deixar a sua terra e os afetos mais queridos, consolai os desanimados, despertai a esperança."

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