Misericórdia.

A misericórdia de Deus não é um conceito do Novo Testamento. Nos salmos, muitas vezes, diz-se “porque é eterna a sua misericórdia”. Mas, é verdade que, no Novo Testamento, ela aparece com um fulgor que cega, no sentido de que nos torna incapazes de ver, de nos darmos conta.

A misericórdia de Deus, desejosa de destruir toda a nossa culpa, tem capacidade efectiva de a aniquilar. E isto, não só porque apaga a culpa por completo, mas porque torna inoperante, no presente e no futuro, o sentimento da culpa já perdoada e não altera o projecto que Deus tem para nós.

Em que sentido a misericórdia ‘nos cega’? Faz-nos ver os precisos e inegáveis efeitos ‘positivos’ da culpa perdoada. Isto é verificado e continua a verificar-se na vida dos santos que eram pecadores, mas se converteram, repudiando o passado e, mesmo recordando a sua condição, encontraram – e continuam a encontrar – o impulso poderoso e contrito para apressar o passo e crescer no amor gratuito que tem a sua fonte no perdão, pedido e obtido.

E nós?

São João escreveu: “Foi com isto que ficámos a conhecer o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1 João 3, 16).

Seremos misericordiosos se tivermos prontidão no interceder pelos nossos irmãos, quaisquer que sejam as suas necessidades. Intercedemos factualmente, com obras, por aqueles que, há muito tempo, clamam por misericórdia: fome, sede, falta de roupa, de casa, de saúde, de liberdade... e até, dúvida, ignorância, vida de pecado, aflição, estado de rancor, ódio... São outras tantas ocasiões para experimentar a misericórdia de que somos repletos, se queremos ser imitadores de Deus.

                                                                                       (Cartas simples, 7)

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