Entendes o que eu te disse ou queres que te faça um desenho?

A palavra muitas vezes não chega, a imagem explica melhor/ou uma imagem vale por mil palavras…

Sou Maria Emília Martins, professora de Artes Visuais na APPACDM de Braga há cerca de 22 anos, Mestre em Educação Visual pela Universidade do Minho, licenciada em Artes Plásticas e com o Curso Superior de Desenho da ESAP.

Há longos anos tenho vindo a fazer ilustração de livros infantis, além de gostar muito de escrever histórias.

Tenho usado o desenho e a ilustração ao serviço da pessoa com deficiência, para que sejam capazes de ler textos visuais, uma vez que os meus alunos não sabem ler e tinham essa enorme frustração.

Recriei para eles a leitura por imagens, através de textos visuais onde a ilustração é a própria narrativa; eles apreendem o seu sentido e assim conseguem ler um livro sozinhos.

A arte tem o poder de envolver os portadores de deficiência para que expressem as suas necessidades e limitações, proporcionando, além do autoconhecimento, uma melhor autoestima, melhor perceção do mundo assim como a integração social e o conhecimento si mesmo.

O termo arte vem da palavra latina ars, que significa "talento", "saber fazer". Educar pela arte é libertar as ideias e fazê-las surgir numa explosão de cor e forma, é substituir no território do convencional as imagens que se perpetuam no tempo, por novos desafios, centrados na valorização pessoal, na inclusão social, concretamente nos princípios e valores em que se enquadram os direitos das pessoas com deficiência.

“Histórias Comidas” do projeto “Eu Consigo!” nasceu para pessoas que não sabem ler nem escrever palavras, mas que com ajuda, conseguem ler textos visuais. É através de desenhos que as histórias são contadas pelos utentes do CACI de Vila Verde da APPACDM de Braga. Com a edição deste livro, a instituição pretende partilhar um meio facilitador para a inclusão, em função das necessidades, capacidades e nível de funcionalidade de cada leitor.

Formar o respeito pelo outro e, como pano de fundo, valorizar a aceitação do próximo como igual é o nosso grande objetivo.

Neste sentido importa conquistar todas as pessoas para a leitura, deixar que elas encontrem a sua forma de ler. Foi com este intuito que foi desenhado este livro, ajustado à população com deficiência intelectual. Pretende-se deste modo minimizar a frustração e aumentar a motivação de pessoas com dificuldades em aceder aos livros da forma convencional.

A imagem tem um papel importante na instrumentalização do conhecimento. As imagens são elementos que falam.

Este livro destaca-se assim, pela sua singularidade, sendo um exercício de superação e um processo de inquietude constante!

Para chegar à criação do livro “Histórias comidas” do projeto Eu consigo! o alicerce foi a motivação do leitor. Este livro dirige-se a todos os que, sem terem acedido à aprendizagem formal da linguagem escrita, permanecem apaixonados pela leitura do mundo. Com ele alimentam-se expressões de alegria que brotam de um sentir “ser capaz de ler” e contar uma história.

Será possível ler imagens? Como conseguir leitores que sejam capazes de construir relações de significado entre o desenho e a palavra?

As relações que a imagem pode estabelecer com a palavra são diversas, as mais importantes são as associações simples. Há também uma relação de complementaridade, pois a figura dá nome à palavra e inicia uma narrativa para despertar a curiosidade sobre a sua história a um leitor ou ouvinte de qualquer idade.

Observar imagens e compreendê-las, envolvendo a perceção, o pensamento e o discernimento, leva o indivíduo a expandir a sua liberdade interpretativa. Um educador que utilize este livro como elemento no processo de construção e estimulação da criatividade e direcione o olhar, ajudando a analisar e a identificar símbolos, pode, desta forma, oferecer uma experiência de literacia singular.

Nascemos leitores de imagens muito competentes desde o início da nossa história; a arte faz parte do desenvolvimento humano quando a imagem é usada como meio de comunicação e expressão. As ilustrações têm o objetivo de auxiliar na compreensão do conteúdo ou na construção de significados.

O ser humano utiliza ilustrações para auxiliar na sua comunicação desde a pré-história, antes mesmo do desenvolvimento da escrita. Basta lembrar as pinturas rupestres feitas em pedras com pigmentos naturais.

Ainda que os significados dessas tão antigas manifestações não sejam comprovados, acredita-se que os desenhos procuravam passar uma mensagem, expressar valores, crenças e retratar o quotidiano desse povo.

De lá para cá, o homem nunca deixou de usar imagens, pinturas ou desenhos para contar histórias, descrever situações em tempos e espaços diferentes, expressar sentimentos e provocar reflexões.  Desta forma a leitura por associação ou analogia desenvolvida neste livro, permite que cada palavra ou ação corresponda a uma imagem significativa do quotidiano dos jovens ou adultos, tornando-os capazes de interpretar signos linguísticos apropriando-se deles.

Com este livro pretende-se alfabetizar o olhar, num mundo que é cercado de imagens, que comunicam mensagens. O conhecimento adquirido pelo homem vem também da sua experiência visual. Se pensarmos em leitura vêm logo à ideia textos escritos, mas ler não é apenas decifrar letras; na leitura do texto visual, o leitor constrói o pensamento a partir de imagens.

Este processo pressupõe habilidades como observação, descrição e análise, a partir da atenção ao que se vê, assim como do significado que se atribui ao que se analisa; esta experiência de leitura transforma as imagens em memórias visuais: mnemónicas.

Quando falamos em texto, automaticamente pensamos na imagem de um papel impresso repleto de letras, palavras e frases. Isso vem de uma definição tradicional de texto. Hoje temos consciência de que há o texto visual, e a sua construção concretiza-se a partir da imagem nas mais diversas formas, não com o propósito de entreter, mas com o objetivo comunicar e passar a mensagem do autor.

A expressão “Entendes o que eu te disse ou queres que te faça um desenho?”, mostra que, se a palavra muitas vezes não chega, a imagem explica melhor. Aceitar que as imagens também são textos é o mesmo que dizer que elas são passíveis de ser lidas. Ensinar a gramática visual através da arte, torna as pessoas conscientes da sua memória fotográfica (BARBOSA, 1998, p. 17).

Os ilustradores devem ser capazes de encontrar uma visão própria e de se entender a si mesmos como uma espécie de escritores que, em lugar de palavras, usam imagens para contar histórias. Cada ilustrador procura ter a sua identidade ao contar uma história. A arte de contar histórias usando o desenho/ilustração para transmitir uma mensagem de uma forma única é chamada de storytelling que é um termo em inglês, "story" significa história e "telling", contar.

Na evolução deste método o leitor pode chegar a contar livremente uma história, com base na extrapolação da imagem. Pretende-se que realize uma observação livre das imagens e que possa fazer os comentários que quiser. O educador pode e deve ser um “provocador” da interpretação e leitura da imagem.

Separa-nos um ano do lançamento deste livro, e hoje mais facilmente podemos falar sobre os benefícios mais evidentes da leitura por imagens, para quem não sabia ler da forma convencional.

Este método melhora a autoestima, amplia o vocabulário, exercita a inteligência, estimula a memória e criatividade, melhora a articulação das palavras, a concentração, ajuda na ampliação da voz (no caso de ler para um público) e na desinibição do indivíduo e potencia a motivação.

Assim nasceu a máxima: EU CONSIGO!!! A ilustração por analogias a palavras de uma história, abriu o rosto de um novo livro: Histórias Comidas!

Pretende-se criar assim leitores independentes e motivados, e desta forma democratizar a leitura.

Histórias comidas Projeto Eu Consigo - Um livro inclusivo

Foi lançado no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, 3 dezembro 2021

Autoria: CACI de Vila Verde APPACDM de Braga e Maria Emília Martins, texto e ilustração

Edição Câmara Municipal de Vila Verde

Apoios: Projeto Cultura Para Todos

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Santa Maria dos Rochedos (1483-1486).

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