Vocações em Movimento – Zé, Joana e Pedro (Edição de 2023).

Joana Ferreira: […] Mas tu és claramente muito mais do mundo…

O glorioso ano de 2023 agraciou o nosso Movimento e, por conseguinte, a Igreja com três belas e jovens vocações. Coube-me a responsabilidade de engendrar uma conversa entre os três em jeito de testemunho. Pode ser que fique para a prosperidade, pode ser que fique esquecido. Contudo, se for uma leitura agradável, já valeu a pena; se provocar alguém, ainda melhor. Juntei os três convidados na casa do nosso novo casal. Erradamente planeei pedir-lhes que fosse mais uma conversa do que uma entrevista. Digo “erradamente” porque não foi de facto necessário pedir isto, uma vez que a amizade já tinha iniciado a conversa antes de eu propor qualquer tema. A frase anterior foi dita ainda antes de nos sentarmos, mas penso que resume bem os seus testemunhos e esta conversa. Três jovens do mundo, que oferecem a sua juventude para servir o mundo e, como diz o catecismo, para salvação dos outros. Assim, deixo-vos aqui as melhores fatias (por tópicos) do nosso serão.

I.               Os primeiros dias de casal e presbitério

Pedro Cunha (PC): […] Faz hoje uma semana e dois dias. […] Só concelebrei missas ainda não presidi. A primeira missa que vou presidir é mesmo a missa nova. Também ainda não confessei ninguém por isso…

José Pinto (JP): […] Mas falando seriamente. Estes dois meses têm sido a confirmação daquilo que já fomos vivendo antes do casamento.  Só que agora de forma diferente porque temos a parte de viver juntos. E, agora, a vida por completo juntos. Mesmo que seja o de bom e o de mau…

Joana Ferreira (JF): Os aromas matinais… (risos)

JP: Esse tipo de coisas. Para além das coisas boas e menos boas. Tem sido a confirmação daquilo que já tínhamos certeza. Ia ser bom porque já estava a ser bom antes do casamento. Mas agora é bom a multiplicar porque, de facto, estamos o tempo inteiro juntos.

JF: Não sei se vai ser cliché ou não, mas está a ser melhor do que tinha pensado.

II.              Antes e depois dos Sacramentos (ou “porquê guardar certas coisas para depois de casar?”)

PC: Por acaso, a propósito disto, tinha uma pergunta curiosa para vos fazer. Como vocês nunca tinham vivido juntos antes. Eu ouço muita gente que diz que quer viver juntos antes de casar para saber se funciona. Mas vocês mandaram-se nisto de cabeça porque nunca tinham vivido juntos. E mudou muita coisa?

JF: Muda tudo.

JP: Muda, sim.

JF: É um bocadinho diferente até porque nós nem vivíamos individualmente. Nós os dois vivíamos com os nossos pais. Nós partimos de um sítio onde tínhamos tudo, tudo feito. Chegávamos a casa tínhamos o jantar, a roupa estava lavada, … Tudo estava feito sem depender de nós. Para de repente tudo depender de nós. Mas, a parte boa é não é só nós. Estamos os dois.

PC: Não era por aí. Enquanto não viviam juntos há coisas que se calhar não conheciam acerca um do outro. E, tolera-se melhor quando não vives com alguém 24 sobre 24 horas. A relação muda.

JP: Mas, eu acho que, no nosso caso, os 10 anos de namoro serviram precisamente para conhecer isso. Obviamente que não morámos juntos, mas tivemos momentos juntos: férias e assim. Ou seja, nós conhecemos minimamente aquilo que era estarmos os dois juntos.

JF: E, já estávamos a prever os defeitos um do outro.

JP: Exato, ela já previa que eu ia ser um pouco preguiçoso para a parte da casa. […] Mas era algo que como já estávamos há tanto tempo juntos já tínhamos percebido quais efetivamente é que iriam ser os defeitos. Por mais que uma pessoa tente esconder ou não fazer notar esses defeitos, acaba sempre por notar-se. […] Aliás, nós falamos e podíamos ter vivido juntos antes. Mas, já que não vivemos até agora, não ia ser por um ano.

JF: E, queríamos que o casamento fizesse diferença.

JP: Isso! Porque senão o casamento não ia mudar nada.

JF: Ia mudar o sentido.

JP: O casamento se fosse assim não ia mudar nada.

JF: E, nós queríamos sentir uma diferença. Como é obvio o sacramento não tem nada a ver com viver juntos. Mas, queríamos que o sacramento se refletisse em coisas práticas da vida. E tem refletido. E acho que se tivéssemos vividos juntos antes, não teria sido tao fácil como foi no contexto do casamento. Primeiro, porque o casamento foi um stress muito grande e depois foi um alívio muito grande. E, nós estamos naturalmente mais predispostos a estar felizes depois. Porque o dia correu bem, porque viemos de lua de mel, porque está tudo bem, estamos bem, acabou o stress e estamos felizes. Eu acho que se tivéssemos vivido juntos antes ia ser mais stressante e se calhar íamos chocar mais do que estamos a chocar agora. Acho que, apesar de tudo, temos sido muito pacientes um com o outro. […]

JP: Mesmo que às vezes tenha algo a dizer ao outro. Acaba por não dizer, porque, é isso, queremos é aproveitar para estar um com o outro.

JF: Acho que voltámos a viver o fascínio.

PC: Pegando nisso. Por acaso, é engraçado porque eu pensei exatamente da mesma forma. Agora não, porque se materializa mais. Mas, na ordenação diaconal tinha pensado exatamente da mesma forma. E, agora, chego à conclusão que faz todo o sentido o que disseram de viver juntos só depois do casamento pelo seguinte. Antes da ordenação diaconal já podes fazer várias coisas, podes fazer funerais. E, no contexto do estágio já me tinham pedido para fazer funerais antes. E na altura lembro-me de ter tido uma conversa com o meu pároco de estágio acerca disso. Porque só queria começar a fazer funerais depois de ser ordenado diácono, para eu notar uma diferença diária. Porque, senão, tinha sido ordenado e no dia seguinte o ritmo era exatamente igual ao que já tinha vivido antes.

JF: Portanto, estás a comparar fazer funerais com viver juntos. (risos)

PC: Não, mas achei engraçado tentarmos materializar os sacramentos. Para não parecer que não teve qualquer tipo de impacto na tua vida. E, neste sentido, o viver juntos depois do sacramento até faz sentido. Realmente, o matrimónio teve impacto na tua vida. Houve uma data de coisas que mudaram à tua volta.

JF: É interessante porque achei que vocês não pensavam assim.

PC: Não sei se toda a gente pensa assim, mas eu penso porque realmente quero que tenha um impacto. No sentido em que houve uma mudança na minha vida e eu não me quero esquecer disso.  E, para não me esquecer disto tenho de materializar. E provavelmente passado um mês, dois, três, cais na rotina. Perdeu aquele impacto. E, talvez seja bom recordar.

JF: E, ao olhar para trás, perceberes o que aquilo significou porque tens uma coisa material que te faz recordar. Consegues olhar para trás e pensar “como é que foi o meu primeiro funeral?”. Tu vais te lembrar disso, como nós nos vamos recordar das chatices de casa. Ao cair na rotina, ambos vamos precisar de lembrar porque é que começamos. E, é mais fácil lembrar de quando viemos para aqui e a máquina de lavar avariou três vezes. Com coisas materiais, acho que é muito mais fácil lembrares-te e lembrares como te sentiste na altura. Porque de certeza que te vais lembrar que foi uma chatice, mas vais te lembrar “o quanto me ri na altura é porque estava realmente feliz”.

JF: E isso também acontecerá agora como padre. Também se deve materializar em grande parte ao assumires agora as paróquias.

PC: E não é só isso. Já começou. No dia seguinte a ser ordenado fui concelebrar à paroquia de um colega. Eu estava todo entusiasmado. Parece infantil, mas é engraçado. Estás a materializar o sacramento. O tempo de discernimento não é só decidir se eu quero isto ou não quero isto. É discernir qual é que é a vontade de Deus. O tempo de discernimento, e no matrimonio também acho que seja assim, também é feito naquela expectativa de chegar àquele dia, e depois o dia acontece, e há consequências desse dia, materializa-se. E pode parecer um pouco infantil, mas faz parte.

JF: E, acho que o verdadeiro discernimento começa quando efetivamente imaginas. Aquele sonho tem de fazer sentido. Tens de te ver ali. Seja de forma mais concreta ou menos. Se aquilo não te entusiasmar, então é porque não é por aí. O grande discernimento começa quando as coisas se começam a concretizar mais. Acho que convosco deve ser a mesma coisa. […] Nos primeiros anos deve ser muito hipotético e demora muito. Como quando falamos na catequese ou no grupo de jovens, os jovens acham que ainda falta muito tempo, mas não é assim tanto tempo. É quando as coisas se começam a materializar em coisas concreta. No nosso caso, quando levamos o namoro mais a sério, e a assumir compromisso com os dois.

JP: E, com os pais…

JF: Tudo isso são materializações que nos fazem discernir mesmo. Será que é esta pessoa que quero apresentar aos meus pais? Isso é ótimo discernimento no início. Se não é esta pessoa que queres apresentar, então talvez não seja esta pessoa para ti. É a mesma coisa que quando sonhámos para o casamento e pós-casamento. Sonhamos durante muitos anos. Passámos muitos anos quase estagnados à espera de que isto acontecesse. E, a coisa tinha de fazer sentido. E, acho que o discernimento acontece muito nessas concretizações.

III.            Pais e a família que não escolheram: “Tratá-los-ei como trataria Jesus, porque Ele está presente em cada um deles” (Pe. Rotondi)

PC: É tudo uma questão de perspetiva. Não acho que seja chato. Como não conheço os sítios para onde vou. Tem coisas boas tem coisas más. Mas como em tudo na vida. Tal como na vossa vida. A joana vê na família do Zé coisas boas e coisas que não gosta tanto. Tal como o Zé. As pessoas são assim, é uma questão de perspetiva.

JF: Mas, a família entra muito nisso. E, talvez no teu caso igual. Quando tu assumes alguma coisa na família, normalmente é porque já está a tomá-la como séria. Não sei como foi a tua experiência de chegar a casa e dizer quero ir para o seminário.

PC: Sim, foi impactante porque ninguém estava a contar, na altura. Levou tempo para a família acostumar-se. E, não sou caso isolado. Porque o discernimento é muito feito numa fase mais avançada, mas em segredo, ou, pelo menos, sozinho, na oração com Deus. Sem ninguém se aperceber à minha volta. E, quando chego ao grupo de amigos e aos meus pais, e digo: “Eu já sei o que quero fazer para o ano. Eu quero ir para o seminário.” As pessoas à minha volta foram apanhadas de surpresa e as pessoas precisam de um tempo para digerir isto. Mas, agora estou a uma semana da missa nova e está toda a gente feliz, e por me ver feliz. As pessoas acomodam-se no bom sentido.

JF: A minha experiência é muito parecida! Eu já tinha contado que namorava com o Zé e eles até já tinham visto o Zé. Mas, foi muito complicado. Só há pouco tempo é que o Zé frequenta a minha casa, considerando que namoramos há 10 anos. […] Mas agora adora o Zé, mais do que de mim… (risos)

JP: Agora perguntam à Joana o que é que ela me fez para eu estar triste. No teu caso, talvez seja mais difícil isto acontecer. (risos)

JF: E, voltámos à questão da oração.

IV.            Oração diária: “Que o nosso encontro seja uma oração; uma escuta da Palavra de Deus, abandonando-nos a Ele, para captar a ressonância interior da sua Palavra” (Pe. Rotondi)

JP: […] Outra coisa que mudou, foi o facto de rezarmos juntos. Agora fazemos o esforço de rezar. juntos

PC: […] Gostava de ter a vossa visão. Acho engraçado saber que rezam enquanto casal. Vou dizer porquê, vou partilhar. Para nós, é assumido que um padre reza todos os dias. Até porque, quando muito não seja, assumiste um compromisso canónico. Agora, isto passa um bocadinho por aquilo que é canónico e aquilo que uma pessoa tem de fazer todos os dias. Não passo um dia sem rezar, atenção! Mas acordar de manhã, e estou atrasado…

JP: Podes sempre fazer como uma amiga nossa que lê o evangelho no WC. (risos)

PC: Mas, mais do que ser obrigado a rezar todas as horas. Eu dizia que não passo um dia sem rezar, no sentido em que tento procurar este encontro com Deus. E, se calhar, a experiência de um casal, o que procuram também é um pouco isto. Porque, isto é importante para a nossa vida. A nossa vida transforma-se a partir desta relação com Deus. É aquela velha história de eu não posso falar de um amigo se não o conhecer. Eu descobri recentemente que há gente a propor exercícios diários. E, é possível fazer exercícios todos os dias. E, eu falo em 45 minutos diários e toda a gente acha “tanto tempo”. Mas eu dizia ao meu diretor espiritual. Para mim, é muito difícil eu perder uma hora do meu dia para fazer os exercícios diários. E ele dizia “não te passa pela cabeça a quantidade de gente que faz exercícios diários”. E, gente que não é padre, casais que fazem em casal, outros que fazem cada um, no trabalho, ou param um pouco. […] Cada um tem a sua forma de rezar. É como estudar, cada um tem o seu método de estudo. A oração é igual. E, esta coisa de partir do evangelho para este diálogo tu-a-tu com Deus, ajuda-me mais. E, é daqui que nasce a importância da oração diária, é a partir disto. Mais do que cumprir uma fórmula canónica, é uma relação com Deus, de todos os dias. […] Mas a obrigação também é importante, é como em tudo na vida. É preciso cumprir as obrigações, é preciso também levá-las a sério, é verdade.

JP: Eu sinto uma semelhança em casal, no nosso caso. Pelo menos para mim, a experiência que temos de oração, independente do que aconteça durante o dia, é o momento de encontro do qual não podemos fugir. Podemos estar o mais chateados possível, mas se temos este compromisso de rezar juntos à noite. Então temo que fazer alguma coisa em conjunto e aí temos de estar em sintonia.

PC: Têm hora marcada?

JP: Não, é ao deitar. Mas estamos deitados, e sem a oração ficávamos assim, mas com a oração tens de perguntar “como queres fazer?”.

JF: É muito engraçado rezar em casal pelo que estavas a dizer, porque a oração é tao individual. E, tivemos uma experiência em que estávamos os dois um pouco perdidos na oração. Porque para mim de manhã não estava a dar com a correria e conduzir. À noite adormecia a ouvir ou ler alguma coisa e, se fosse espontâneo, não saia nada. O Zé também sentia isso. E, às vezes, acontece com os dois, alguém vai fazer o sinal da cruz para terminar e o outro dizer “Não, espera!”. (risos). Claramente, tentar encontrar um ritmo que seja dos dois, é mesmo engraçado. Às vezes, rimos muito. Porque um não quer dizer nada e damos tempo de silêncio, e já aconteceu de eu adormecer. Ou ficamos será que ela quer dizer alguma coisa.

PC: Então, estão a descobrir métodos. Talvez com o tempo descubram os estilos de oração que em casal funcionem.

JF: Sem dúvida, ainda não chegámos a acordo, mas vamos descobrindo.

JP: Certo. Aquilo que eu tiro de mais positivo é ser um momento de encontro e sintonia. E, efetivamente, limpar seja o que for do dia.

JF: E, é impossível rezares com alguém e estares chateado com essa pessoa. Estás a falar com Deus ali, é tao íntimo…

JP: Até te sentes mal. E, às vezes, o evangelho encaixa no problema. Porquê? (risos) Mas nesse aspeto tem sido muito bom esse encontro…

JF: Entre os três!

V.              Ser jovem: “queremos que os jovens trabalhem nas obras e realidades eclesiais. Mas isto é também a nossa riqueza” (Pe. Rotondi)

JP: Eu sinto mais a juventude no sentido de que atualmente olhamos à volta e vemos que a maioria das pessoas da nossa idade em termos de vocação ainda não está decidido. Acho que é mais por aí. Parecendo que não, foi cedo. Mas, ao mesmo tempo não é cedo. […] No meu trabalho sou a pessoa mais nova casada.

JF: Eu por mim tinha-me casado mais cedo.

JP: Se é algo que queremos… Se sentimos que nos vai fazer bem, por norma, fazemos porque seja algo que aconteça o mais depressa possível.

JF: Claro que tem de ser uma decisão tomada seriamente. Não é por ser na juventude que tem menos seriedade. Talvez haja pessoas que pensam que somos tão novos que não pensamos bem nisto. E, se calhar, no casamento pensa-se ainda mais assim. No matrimonio, é muito pensado isso. “São novos”, “foi o único namorado que teve”, “não pensou e isto não vai dar em nada”. Primeiro, acho que isso não se reflete na realidade. Acho que para ser uma decisão séria, não tem de ser numa idade tão madura. Acho que é mesmo quando nos sentimos preparados para isso. No nosso caso, também, quando tivemos possibilidade para isso.

JP: E, genuinamente, também aproveitas mais. Porque quanto mais cedo tens essa decisão, e a noção dessa vocação e abraças essa vocação, mais tempo estás a viver essa felicidade. Presumo que no teu caso deve ser igual. Seria completamente diferente pegar numa paróquia aos 40. Seria completamente diferente a nível de ideias e tudo. Agora vais ter umas certas ideais e ter uma outra força do que se fosses ordenado aos 40. Obviamente a idade não define a juventude. Mas parecendo que não, quanto mais cedo se descobre a vocação mais tempo tens para a viver.

PC: É engraçado. Na minha perspetiva, para mim não é estranho eu ter 28 anos e ser padre, porque andei no seminário e conheci muitos padres novos. E, para vocês também não, porque lidam com padres jovens no Movimento. Mas é engraçado, em espaços comuns, em Paredes, etc. tem sido estranho, porque as pessoas dizem “padre tão novinho”. Devem ter a ideia de que um padre tem de ter uma certa idade. Mas no que o Zé falava, há dias comentavam com alguém, pouco antes da ordenação. Estou constantemente a ouvir, testemunhos de padres que vão na 3ª e 4ª paróquia, que nas primeiras vezes fizeram isto e aquilo e “levava tudo à minha frente”. Mas chega a um ponto que, não é por desanimo ou preguiça, mas a própria idade abranda-nos o ritmo e o estilo de vida. Deixo que sejam os outros e os mais jovens a ter iniciativa, mas alinho nessas iniciativas. Diziam que um padre quando chega a velho o melhor que pode fazer é, se não quer fazer, pelo menos que deixe fazer. Aos mais novos e mais entusiasmados, deixá-los fazer. É normal que agora nas primeiras paróquias, eu tenha esta vontade de levar toda a gente comigo, pastoralmente. Mas, aos 50 anos, depois de 20 anos de trabalho pastoral, é normal que já não queira ser eu a “levar tudo a frente”, até pode acontecer, não sei, mas deve haver esse contraste. E, isto não é só para os padres, para todos.

VI.            Secularização do mundo, ser pegada de Deus no mundo: “O homem encontra, na terra, a resolução dos seus problemas, sem incomodar o Céu. […] pela qual o homem não vê as pegadas de Deus, mas só os vestígios do homem.” (Pe. Rotondi)

JF: Por um lado é bom saber que os projetos não são a um. Agora são a dois. Por exemplo, a catequese. Não temos necessariamente de fazer os dois, mas temos de pensar que isso tem influência no outro. Por outro lado, é uma coisa que prende. Se eu for dar catequese, ele estará comigo. E, apoiarmo-nos um ao outro nestas atividades. […] Os padres têm a vantagem de que toda a gente sabe que eles são o pároco. E, são confiáveis. Nós primeiro temos de ganhar essa confiança. Aí são dificuldades que qualquer leigo vive sozinho, sabendo que agora não estamos sozinhos. Como dizíamos antes, saber que casámos com esta idade é diferente. Somos um pouco mais conscientes deste casamento dentro da Igreja. Não é assim tão comum. E, isto multiplica-se. Entretanto, quantos já não vieram ter connosco pedir-nos opinião. Se calhar, olharam para nós e pensaram “Se eles avançaram, nós também podemos avançar.”, “Se isto faz sentido para eles, porque é que não fará para nós”. Pedem-nos conselhos, e isso é engraçado. Estar do outro lado e do mesmo, ao mesmo tempo.

JP: Na realidade, este tema tem rasteira. Nós não queremos chamar a atenção. Temos de ser humildes. Um dos pontos da espiritualidade [Oasista] é a humildade. Mas, acho que é principalmente pela forma de viver. Que vai de encontro ao que dizia a Joana. Essa pegada é mais o nós sermos naturais e genuínos ao que somos. Se nós vivemos a vocação a 100%. Se vivermos na fidelidade e no amor um ao outro, para além de produzir frutos e, não estou só a falar de filhos. (risos) É algo que acaba por se notar. Quando as pessoas olham, acaba por ser um testemunho. Eu lembro-me de uma coisa que a minha mãe sempre dizia para o grupo de jovens “olhai como eles se amam”. Acho que é muito mais bonito e saudável, e até em termos de humildade, deixarmos a nossa marca simplesmente pela forma como vivemos e comos estamos no mundo. E, que essa forma de ser, transparece esse amor, essa vocação e essa união com Deus.

PC: Como dizia a joana, para um padre supostamente devia ser mais fácil fugir a esta secularização. Tu vives numa bolha eclesial, onde falar de Deus é fácil porque à partida, não toda a gente, mas uma grande parte das pessoas que me rodeiam no dia-à-dia, é gente ligada às comunidades. Eu penso que tenho uma perspetiva diferente acerca disto. Podes dizer coisas bonitas e falar muito de Deus, e nunca ser verdadeira testemunha.

JP: Exatamente!

PC: Ou seja, teres verdadeiro impacto. No outro dia, falava das minhas perspetivas enquanto padre. Eu dizia que só queria uma coisa na vida, que é muito difícil alcançar e provavelmente nunca lá vou chegar. Vocês já estiveram com pessoas que estão a ter a conversa mais banal de sempre, e estão e dizer para vocês “este tipo é um iluminado, este tipo vive aquilo que acredita de uma forma sincera”. Nunca tiveram essa experiência? Uma coisa é olhar para um ídolo, ter admiração por alguns atributos. Não é isso. É algo mais visceral ou emotivo. Estás no tu-a-tu com uma pessoa e percebes que há uma coisa diferente. Não quero cair numa linguagem muito alternativa, mas que digas “este tipo é um iluminado, este tipo encontrou-se verdadeiramente com Cristo e aquilo transformou a vida dele de uma forma que isso tem impacto”. Estás a ter a conversa mais banal e sentes que o tipo é feliz. Eu dizia que gostava de ser assim. Que se algum dia fosse assim, mais do que dizer coisas muito bonitas e fazer obras muito grandes. Se eu algum dia conseguir chegar a este nível, de conseguir ter impacto nas pessoas à minha volta, já sou a pessoa mais feliz do mundo. Já cumpri o meu ministério.

JF: Eu acho que essa é verdadeiramente a nossa meta. Quando penso sobre o que dizemos no Oásis de “ser fermento no meio da massa” é isso que eu imagino. É exatamente o que tu estás a descrever. Percebo o que estás a dizer.

PC: Embora, eu conheci muito poucas pessoas assim. Muito poucas mesmo.

JF: Exatamente. E, isso faz-te sentir, quero muito ser assim. E, até ficas triste porque sabes que nunca vais ser assim, provavelmente. A probabilidade de isso acontecer…

PC: É assim, isto é como a santidade. Não somos santos, mas trabalhamos para isso, todos os dias. Vamos trabalhando e vamos vendo.

JF: Nem que seja ao lado do Zé. (risos)

VII.           Mensagem final, arriscar: “Se nos colocarmos no caminho luminoso do amor de Deus, todos os outros belos amores da vida reabrirão, pouco-a-pouco, na perspetiva mais justa e tranquilizadora” (Pe. Rotondi)

JF: Só quero dizer para as pessoas não terem medo de procurar a vocação. Acho que quem vai ler, à partida já não estará assim tão perdido. Acho que é mesmo essa a mensagem. […] Temos mesmo de repensar como damos os nossos testemunhos. Claro que o nosso testemunho é o nosso testemunho, não vais mentir. Mas, eu acho que quando trabalhamos com jovens devemos procurar pessoas com que se aproximem. Eu sei que o nosso testemunho é um desses mais clichés. Porque namoramos há muito tempo. Apesar das dificuldades, não é um testemunho assim tão anormal. Portanto, a mensagem que quero deixar é nunca achar que isso não é para mim. Que o discernimento vocacional não é para mim. Tudo pode ser para mim. Eu podia ser feliz como irmã, como consagrada, certamente percebi no caminho que não seria tão feliz do que como com o Zé.

PC: Posso complementar esta mensagem e puxar a brasa à minha sardinha? Epá arrisquem! Eu acredito, e isto é cliché, mas foi o que aconteceu comigo. Deus não para de chamar pessoas. Deus não para de incomodar pessoas. […] Se realmente houver gente com duvidas, não tenham medo. Procurem alguém sério com quem falar, que possa orientar. Procurem alguém. Arrisquem. Se não for, não foi. Se ao fim de um mês, de um ano, de 5 anos perceberem que não é isso, vão sempre a tempo de mudar. Mas arrisquem, a sério. Não façam “eu até sinto que isto pode ser a minha vocação, que Deus me esta a inquietar, mas não vou tentar, não vou atras disto” ainda que implica que se calhar os meus pais ou amigos não vão gostar, se calhar, eu tenho vergonha, se calhar, não gosto de me expor.

JF: E, acho que o tempo de discernimento nunca é tempo perdido. Procurar não tem mal nenhum. E, acho que se pode ser feliz em qualquer vocação.

 

Pedro Cunha: […] Porque em movimentos de espiritualidade fazem-se propostas de discernimento sérias. Não digo que nas paróquias não se faça, mas é mais fácil. No Oásis não é muito difícil confrontares-te com vários tipos de vocações diferentes. Quando tu te confrontas, é quando começas a levantar questões.

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