Pe. Emílio (1936-2023).

 

A despedida talvez seja a parte mais difícil da esperança. Não se pode dizer muita coisa. Lembrar alguém é construir gratidão. Lembrar é agradecer a pertença. Há recordações que atravessam a vida. Há cheiros, cores e lugares que nos atravessam a memória. Perpetuar a lembrança é fazer memória pascal.

O Pe. Emílio tingiu o livro da vida de tantos com o seu nome.

Hoje, quando nos despedimos da sua presença física entre nós, lembramos, como quem passa de novo pelo coração, fazemos memória com os olhos cheios de futuro, lembrança com o corpo implodido de esperança, e, esse posicionamento que esta liturgia comunitária faz é profundamente salvador e redentor da nossa memória.

Mesmo quando achamos que não nos despedimos, a verdade é que no fundo despedimo-nos muitas vezes. A vida deu-nos isso. Termo-nos visto uns aos outros partir e regressar, dizer adeus e olá com a certeza de que nada se interrompe, voltar a ouvir mil vezes a voz dos que amamos, prolongando assim o extraordinário, o interminável encontro.

Precisamos também do socorro de outras palavras, e elas chegam se as quisermos ouvir. Vêm em nosso socorro essas palavras maiores, que não são para compreender talvez, mas que nos seguram enquanto certas despedidas (sobretudo as mais dolorosas) desprendem o seu vazio lentíssimo. Nós não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita, adiante de nós a vida é infinita. Porventura o mais fecundo não está na pergunta: «porque é que ele partiu desta maneira?», mas nessa outra a que respondemos sempre em total gratidão: «porque é que ele veio?».

Há maneiras de viver que semeiam na história de muitas pessoas coisas boas e esperançosas.

A vida do Pe. Emílio e o seu ministério concretizaram a Graça que ele tinha como imprescindível a cumprir o propósito que escolheu como lema: Fidelidade ao Serviço do Pai.

Silencioso e discreto, como o tempo em que a semente se deixa apodrecer para gerar vida, assim o serviço alegre e humilde do Padre Emílio.  Coincidência que estas exéquias o sejam no final da semana de oração pelas vocações: o seu testemunho na alegria do Serviço por Amor e na disponibilidade para a vontade de Deus foi fermento e semente de muitas (e incógnitas) vidas ao serviço de Deus e dos irmãos, no mais silencioso quotidiano, “fermento na massa” como nos ensinou tantas vezes.

O mais importante que temos a dizer de alguém é o que deixou de herança no mundo. O Pe. Emílio deixou-nos um vislumbre da experiência pascal, como caminho, não um momento, como um acontecimento relacional, ou seja, uma história: a da sua dedicação serena à vida pastoral-paroquial, às comunidades que serviu, à ACR, ao Movimento Oásis, aos Escuteiros, aos seus alunos e à sua escola, aos seus colegas, aos demais Padres, aos amigos; da sua presença discretíssima, mas atenta e eficaz.

O desafio maior de viver é construir qualquer coisa que, de tão bela e partilhada, não faça sentido deixar de existir. Construir a vida é dar-lhe razões para existir sempre. E existir é receber-se e dar-se, sem ser fonte de si mesmo. Foi o que fez o Reverendo Pe. Emílio. Todos os dias, toda a sua vida. Ainda quando nos ofereceu o exemplo da sua aceitação da doença sem queixume. O seu cuidado em não incomodar ou sobrecarregar ninguém… O agradecimento pela mínima atenção. O cuidado com a “sua” Fernanda.

Não há espera mais humana que a companhia e a Fernanda  viveu nestes anos o processo doloroso mas  «feliz» de acompanhar o seu grande amigo até ao fim da vida. Acolheu a dificuldade de viver a experiência da doença e da morte de alguém que amou até ao fim  (de si mesma) e num território muito magoado deu tudo: o seu tempo e atenção, o seu amor. A sua oração, a sua presença total. E só assim foi possível o milagre do prolongamento de uma vida com a qualidade e dignidade merecida e oferecida. E por isso lhe somos, as comunidades de Boim e Silvares, muito gratos, por ter sido sinal deste lugar de conforto que queríamos ser, mas não pudemos ou soubemos sê-lo, para um Pastor que o foi efectivamente.

Durante anos a fio cantamos ao Pe. Emílio, na missa que nos reunia como comunidades a seu cargo, pelo seu aniversário, tão próximo já, um hino, bem conhecido, que exaltava as virtudes do sacerdote, como Bom Pastor.

Hoje repetimo-lo, com o entusiasmo de então, certos que o coro dos anjos a nós se associa, neste breve instante que nos separa ainda:

Sal da terra, do Mundo fulgor.

Sacerdote de Cristo Jesus;

Teu destino de fé e do amor,

Teu poder nossas almas conduz.

És caminho e marcha no caminho

Que conduz nossas aos Céus.

Quem não ouve tua voz vai sozinho,

quem te escuta conversa com Deus.

 

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"Acreditar em Jesus: testemunhar a fé", 6 e 7 maio 2023.