‹‹Senhor, eu amo-te.››

As últimas palavras de Bento XVI foram pronunciadas por volta das 3h da madrugada do dia 31 de Dezembro de 2022, algumas horas antes de morrer. Quem as ouviu foi o enfermeiro que estava de serviço e, estando a sós com Bento XVI, referiu as palavras a D. Georg Gänswein, secretário do Papa emérito. Com uma voz ténue e frágil, mas de modo perceptível, disse em italiano: «Senhor, eu amo-te». Estas últimas palavras do bispo emérito de Roma são uma síntese de toda a sua vida e a chave de leitura do legado que nos deixou.

Não pretendo com estas linhas apresentar uma biografia do Papa Bento XVI, tampouco uma síntese do seu pontificado ou dos seus escritos teológicos, mas partilhar a memória agradecida que ecoa no meu coração. Em 2010, quando visitou Portugal, tive a graça de o poder cumprimentar e servir ao altar, na missa por ele presidida, na Avenida dos Aliados, na cidade do Porto. Guardo a serenidade e delicadeza que tantos descrevem no seu modo de ser e de estar. Marcou-me o modo como se preparou para celebrar, paramentando-se de modo orante, consciente, como ele próprio referiu a quem estava por perto antes da celebração, que o centro de tudo quanto íamos celebrar era Jesus Cristo. A sua vida, as suas palavras e o seu ministério foram um permanente apontar para Cristo, centro da vida cristã, lugar de transformação do coração e da vida. Por isso, cito com frequência as suas palavras naquele que, para mim, é um dos seus mais preciosos textos, a Encíclica Deus caritas est: «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (DCE 1).

Estas palavras são fundamentais para compreender o centro da vida cristã e deveriam ser gravadas em qualquer manual de iniciação à fé. Ser cristão, transmitir a fé ou elaborar projectos de evangelização tem de ter no centro esta certeza: a vida da fé radica-se, renova-se e fortalece-se no encontro único, íntimo e decisivo com Jesus Cristo. O processo evangelizador é muito mais do que um conjunto de conteúdos a transmitir, mas a gestação de um encontro que oferece à vida um novo horizonte.

Aos artistas, no Centro Cultural de Belém, no dia 12 de Maio de 2010, desafiava: «fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza». Uma vida que encontra o seu sentido e realização em Cristo torna-se lugar de irradiação da beleza e da alegria e difunde ao longe e ao largo a certeza de que somos profundamente amados por um Deus a quem podemos chamar «Pai!».

Voltei a encontrar-me com o Papa Bento XVI, nas JMJ 2011, em Madrid. Recém-ordenado diácono, estava entre a multidão de jovens que escutava o Sucessor de Pedro e, ainda, sinto ecoar no meu coração as palavras que ele nos dirigia, na vigília de oração no Aeroporto Cuatro Vientos: «queridos jovens, não vos conformeis com nada menos do que a Verdade e o Amor, não vos conformeis com nada menos do que Cristo». A sua presença e mensagem recentraram todo aquele entusiasmo juvenil em Cristo e, na solene adoração, no silêncio daquele recinto, os jovens depositavam a sua vida e a sua esperança no Único capaz de dar novo sentido à vida e à história.   

A vida centrada em Cristo conjuga-se com a verdade e o amor, tal como o Papa Emérito nos deixou escrito na Encíclica Caritas in Veritate. Para o Papa Bento XVI, o amor não é uma mera afeição ou um punhado de boas intenções, mas a força transformadora da vida e do coração e, por isso, foi a força transformadora da sua vida e do seu coração. O amor não é mais uma coisa a fazer, mas o modo como fazemos todas as coisas: «o olhar fixo no lado trespassado de Cristo, de que fala João (cf. 19, 37), compreende o que serviu de ponto de partida a esta Carta Encíclica: «Deus é amor» (1 Jo 4, 8). É lá que esta verdade pode ser contemplada. E começando de lá, pretende-se agora definir em que consiste o amor. A partir daquele olhar, o cristão encontra o caminho do seu viver e amar».  

No seu gesto profético e prenhe de humildade da renúncia ao ministério petrino, foi acusado de abandonar a cruz e, por isso, na sua última audiência, a 27 de Fevereiro de 2013, afirma: «não abandono a cruz, mas permaneço de forma nova junto do Senhor Crucificado». Aponta Cristo e Cristo crucificado! Aponta com as palavras e faz vida nos seus gestos e na sua entrega como presbítero, como teólogo, como bispo e como sucessor de Pedro. Um homem inteiro e íntegro que ensinou com a vida aquilo que as suas últimas palavras expressaram: «Senhor, eu amo-te!».

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